Quando a alma dói, Epicuro...

Published on 30 November 2024 at 18:03

Na vida temos dois tipos de dor: a física e a psicológica. A física, normalmente, a medicina resolve. A psicológica, assim como o nome já nos indica, deixamos para o psicólogo resolver. Mas temos que notar que a psicologia é algo moderno. Contudo, sempre houve a dor psicológica. Mas, se analisarmos bem, a "medicina da alma" sempre existiu.

 

Acredito que o início dessa medicina tenha surgido com Sócrates, na Antiguidade Média, quando ele começou a questionar o que seriam os valores dentro das ações humanas (entre muitas outras questões; na verdade, ninguém se questionou mais do que esse homem). Contudo, houve um filósofo da Grécia Clássica chamado Epicteto. Nome estranho e feio para os padrões comuns da nossa era, mas ele foi, e ainda é, um salvador para aqueles que sofrem desse mal. Ele acreditava que, para curar os males da alma, a filosofia era a área mais indicada. Pois, se entendermos a nós mesmos, mais fácil será entender o que nos dói e, se possível, resolver. É a ele atribuída, então, a teoria dos tetrafármacos. Ou seja, "tetra" significa "quatro" e "fármacos" significa "remédios". Quanto às formas de olhar para certos problemas, se os seguirmos, poderemos viver melhor.

 

Epicuro acreditava que a vida boa era aquela que evitava a dor desnecessária. Esse, para o filósofo, era um dos caminhos para se viver bem.

 

O primeiro dos remédios epicurianos seria não temer os deuses. Grego que era, seguia as crenças do que chamamos hoje de mitologia grega. Mas ele via nesses mesmos deuses uma grandeza tão cósmica que observava o esforço dos humanos para agradá-los. Seres cósmicos infinitamente maiores do que a nossa própria galáxia. Para Epicteto, preocupar-se com os deuses ou tentar entendê-los seria como se uma célula se preocupasse com a alegria e a proteção de um humano. Como podem seres tão infinitos se preocupar com algo tão passageiro como a vida humana? Então, o medo do que está além da nossa compreensão não faz sentido.

 

O segundo remédio é que possamos viver sem temer a morte. Para o filósofo, isto é uma ilusão idiota. Pois, se estou vivo, a morte não existe; e, se a morte existe, é porque não vivo mais. Eu não posso viver estando morto.

 

O terceiro remédio é sobre o prazer. Epicuro acreditava que uma vida sem dores desnecessárias era metade do caminho para uma vida feliz. A outra metade seria viver o prazer. Mas viver de uma forma correta. Não o prazer desmedido e sensorial de que a modernidade é tão apologista. O filósofo nos fala sobre o necessário e o natural. Há coisas necessárias e naturais. Para ele, estas são a necessidade de comer, de se hidratar, de ter um teto. As nossas necessidades básicas e naturais a todo animal. Essas são as mais importantes. Há também as coisas necessárias, mas não naturais. Aqui ele se refere, por exemplo, à culinária, pois o ato de comer é apenas o básico. Outro exemplo é a música, que vem da combinação dos sons. Estas são coisas necessárias, mas não naturais aos seres vivos. E temos as coisas não necessárias e não naturais. Temos como exemplo a soberba, a busca de poder, os títulos sociais. Essas coisas desmedidas, para o grego Epicuro, trazem muita dor à toa, pois são ilusões. Para ele, devemos sempre buscar as primeiras necessidades para alimentar a carne; depois, as segundas necessidades são para alimentar a alma, mas nunca devemos abusar do esforço de as perseguir. As terceiras necessidades são uma ilusão e devem ser deixadas para os que não sabem ser felizes com pouco. Epicuro acredita que só alcançamos a verdadeira paz na alma quando o corpo está com saúde e os pensamentos são elevados.

 

O quarto e último remédio é a aceitação da dor. Para o nosso grego, a dor passa rápido quando é insuportável ou então nos mata. Se estamos sofrendo, mas ainda estamos vivos, é porque a aguentamos.

 

É necessário ver como os dois primeiros remédios se relacionam e se complementam com o quarto. Pois a morte traz dois medos. O medo do desconhecido, que o não temor aos deuses nos ajuda a suportar. O segundo medo da morte é o passar pela dor da morte. Mas é importante entender bem o quarto remédio aqui. Se dói e nós aguentamos, não vamos morrer. Se doer a tal ponto que nos mate, está tudo bem. Depois de morrer, não há mais dor. Enquanto não morremos, temos o prazer das pequenas coisas da vida, como o terceiro remédio nos ensina.

 

Por muitas vezes que sofri na vida, eu encontrei conforto nestas palavras. Não são fáceis de serem vividas, mas elas nos ajudam a retirar os medos, dores e ilusões da alma e a ter uma vida boa dentro dos limites humanos.

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